Pena social ou análise técninca: o que é determinante para a Due Diligence imobiliária?
- Geovane Ferreira Pires
- 30 de jul.
- 3 min de leitura
Uma das obras clássicas da literatura jurídica, no estudo do Processo Penal, é do autor italiano, Francesco Carnelutti, com o título As Misérias do Processo Penal. Nesse livro, o jurista demonstra que o simples envolvimento de alguém em um processo criminal, ainda que este não tenha sido condenado, já é, por si só, um sofrimento, não apenas processual ou emocional, mas social. A sanção, que deveria decorrer apenas de uma sentença condenatória, passa a existir no plano informal da sociedade, com o afastamento, a desconfiança e o estigma, que são algumas das “misérias” previstas no título.
Essa “pena social” não se limita ao aspecto criminal, sendo perceptível também nas relações empresariais e negociais, especialmente quando se trata da análise prévia de riscos em operações de compra, investimento ou parceria. A pergunta inevitável que surge é: todo processo acarreta risco ao negócio? Em outras palavras, a mera existência de uma ação judicial, seja cível, trabalhista, tributária ou penal, deve, por si só, gerar a desqualificação do interessado ou do ativo analisado?
A resposta exige equilíbrio, embora a prática revele um viés rigoroso no mundo dos negócios.
De fato, qualquer um pode ser réu em processos judiciais. Aliás, os números crescentes de demandas judiciais podem ser um indicativo de tendência de maior consciência da sociedade quanto aos seus direitos ou de banalização do acesso ao Judiciário, que muitas vezes é forçado a decidir sobre questões que não precisariam existir se as partes dedicassem energia para um diálogo construtivo.
Em uma visão pragmática, pode-se afirmar que não são raros os casos de processos judiciais meramente retaliatórios, isto é, apenas com o objetivo de “dar trabalho” ao desafeto, ainda que o(a) autor(a) da ação saiba da remotíssima chance de êxito. Há também as famosas aventuras jurídicas, estimuladas por advogados que visam aos honorários iniciais, mesmo em prejuízo do cliente.
Diante do raciocínio acima, percebe-se que em uma análise de risco, a existência de litígios, por si só, não significa um cenário inaceitável, sendo fundamental a compreensão da natureza, do objeto, do estágio e da consistência das demandas.
É nesse ponto que a due diligence, sobretudo imobiliária, assume papel central. A análise responsável não pode se limitar à coleta mecânica de certidões ou à simples constatação de que há um processo em nome do vendedor, da empresa-alvo ou de seus sócios. É necessário ler os autos, entender o contexto, avaliar as chances de procedência, verificar o impacto potencial de uma eventual condenação e identificar estratégias de mitigação de risco. Em outras palavras, não basta informar que há um processo, é preciso compreender o que ele representa.
Negócios foram desfeitos, propostas retiradas e reputações abaladas com base apenas na presença de uma ação em andamento, sem que se avaliasse o mérito da demanda.
Uma verificação superficial pode representar um verdadeiro prejuízo ao cliente, ou seja, a análise que se limita a informações iniciais ou baseadas no “quadro geral” não é benéfica. Deixar de considerar o contexto e o potencial de impacto efetivo, pode levar ao descarte de negócios altamente rentáveis e seguros. É uma postura que protege o profissional, mas penaliza o cliente, privando-o de oportunidades que, com uma avaliação aprofundada, se mostrariam vantajosas.
Assim como alertava Carnelutti quanto à antecipação da culpa no processo penal, também na vida empresarial não se pode condenar sumariamente alguém apenas por constar como parte em processos judiciais. É necessário ir além das aparências e buscar o risco efetivo do litígio.
Por outro lado, há situações em que a existência de determinadas ações não pode ser negligenciada, sendo que a análise deve ser técnica, objetiva e proporcional à complexidade da matéria tratada.
Em síntese, a mera existência de um processo não deve configurar, automaticamente, uma sanção social ou jurídica, assim como não deve ser ignorada.
Cabe aos profissionais, sobretudo os advogados, adotarem uma postura investigativa, crítica e fundamentada, capaz de distinguir aquilo que representa risco real daquilo que é apenas resíduo natural da vida jurídica moderna.
A lição de Carnelutti segue atual, pois o processo judicial, em si, já é doloroso. Mas a condenação antecipada, sem a devida análise, é a mais injusta das penas, seja no processo criminal, seja nos negócios.
Geovane Ferreira Pires
Advogado especialista em Direito Imobiliário
Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG
Membro da Associação Mineira dos Advogados do Direito Imobiliário - AMADI
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