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Ata notarial e a força probatória das conversas via WhatsApp

  • Geovane Ferreira Pires
  • 24 de jun.
  • 5 min de leitura

As mensagens trocadas por meio de aplicativos como WhatsApp, são cada vez mais utilizadas como provas em processos judiciais, sobretudo em litígios envolvendo relações contratuais, tratativas comerciais e controvérsias familiares. É comum uma conversa eletrônica se tornar o elemento central de uma demanda, sendo usada para comprovar propostas, comunicações, reconhecimentos de dívida, desistências, falhas na prestação de serviços ou mesmo comportamentos contraditórios das partes. Entretanto, esse meio probatório é sempre aceito e validado nos processos?

 

Apesar da diversidade probatória admitida pelo ordenamento jurídico, há uma resistência à aceitação de capturas de tela (prints) como prova segura em um processo, tendo em vista que, por sua própria natureza, seria passível de manipulação ou montagem.

 

Diante disso, a ata notarial se apresenta como o mecanismo que confere maior segurança à prova digital, sendo amplamente reconhecida pelos tribunais como instrumento hábil à comprovação da existência e do teor de mensagens eletrônicas.

 

A ata notarial está prevista no artigo 384 do Código de Processo Civil[1] e consiste no documento lavrado por tabelião de notas que narra fielmente os fatos presenciados por ele no momento da lavratura.

 

No contexto das provas digitais, especialmente de conversas de WhatsApp (entre outros Apps semelhantes), o procedimento ocorre mediante a apresentação do celular pelo solicitante ao Tabelionato de Notas, onde o tabelião acessa diretamente as mensagens na tela do aparelho, transcreve os trechos relevantes, identifica os interlocutores e, quando necessário, anexa imagens (prints) certificadas.

 

São exigidas também a transcrição de mensagens de voz, a identificação técnica do aparelho (IMEI, operadora, modelo) e dados completos do solicitante. Os custos, por sua vez, variam conforme o cartório (há diferenças de custos em diferentes estados) e o número de páginas certificadas, mas normalmente são significativos.

 

O valor jurídico da ata decorre do fato de ser dotada de fé pública, ou seja, presume-se verdadeiro o que foi certificado pelo tabelião, cuja função é justamente atestar, com imparcialidade e responsabilidade, os elementos que observou. Em outras palavras, sua principal função é comprovar que aquele conteúdo, conforme apresentado, existia de fato no dispositivo, naquele dia e naquela forma, dificultando a impugnação posterior por parte da parte contrária.

 

Apesar dessa robustez, o Superior Tribunal de Justiça já tratou da matéria, no sentido de que a ausência de ata notarial não invalida, por si só, a prova digital. No julgamento do AgInt no AREsp 2556837/DF, publicado em 21 de maio de 2024, o relator, Ministro Marco Buzzi, assim decidiu:

 

“Com efeito, quanto à validade da prova documental produzida pelo autor da ação, consistente na juntada de prints de conversas e áudios via whatsapp, restou consignado no acórdão recorrido:

 

Como bem destacou o MM. Juiz de origem, os réus apresentaram mera impugnação genérica às referidas provas, dizendo que seriam ‘facilmente manipuláveis’. Porém, sendo incontroversa a sociedade, e tendo as conversas sido entabuladas com o corréu Paulo, cabia a este impugnar especificamente os pontos nos quais a conversa teria sido manipulada, e inclusive apresentar o inteiro teor das conversas, de modo a demonstrar eventuais edições pela parte contrária, o que não foi feito. Desse modo, a alegada falta de ata notarial também não macula a admissibilidade da prova, sendo que mensagens e conversas via aplicativos como whatsapp só não poderiam ser admitidas como prova lícita, no caso de obtenção sem o conhecimento dos interlocutores ou prévia autorização judicial, o que não é o caso. Portanto, a mera impugnação genérica feita pelos réus, que se limitaram a negar os fatos alegados na exordial, não enseja a desconsideração das provas apresentadas pela parte autora.

 

Contudo, a parte ora recorrente não se desincumbiu do ônus de impugnar os referidos fundamentos, como manda o princípio da dialeticidade, utilizando-se de fundamentos dissociados dos do acórdão recorrido ao insistir na alegação de que as mensagens podem ser perfeitamente manipuladas sem deixar nenhum vestígio, incidindo, na espécie, por analogia, as Súmula 283 e 284 do STF."


Nota-se, os réus impugnaram genericamente as conversas juntadas aos autos, alegando que seriam facilmente manipuláveis. Contudo, caberia a impugnação especificamente quanto aos pontos em que a conversa teria sido editada, apresentando, inclusive, o inteiro teor da troca de mensagens. Porém, isso não foi feito!

 

Assim, concluiu-se que a mera negativa genérica dos fatos, sem prova em sentido contrário, não basta para desconsiderar os documentos apresentados, de maneira que, ainda que ausente a ata notarial, as mensagens eletrônicas, desde que obtidas licitamente, podem ser admitidas como prova válida e eficaz.

 

Portanto, a atuação do advogado na condução processual e a robustez probatória nos fundamentos contrários ao uso dos prints, são determinantes para a admissibilidade (ou não) das mensagens eletrônicas, pois sem a impugnação detalhada e comprovada das cópias manipuladas das mensagens, estas tendem a ser validadas processualmente.

 

Na mesma linha, o AgInt no AREsp 2408609/PR, julgado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, enfrentou discussão semelhante nos seguintes termos:

 

Ademais, e conforme fundamentado em sede de decisão singular de minha Relatoria, é importante mencionar que a ata notarial é plenamente válida e reconhecida pela legislação e jurisprudência para se comprovar determinados fatos, principalmente no campo digital, como conversas de Whatsapp, como seria a hipótese dos autos.

Na situação dos autos, o Tribunal foi enfático em delimitar que muitas das conversas de Whatsapp transcritas foram corroboradas por ata notarial, nos seguintes termos:


O simples fato da ata notarial (mov. 58) não ter sido feita abrangendo todo o conteúdo da conversa transcrita no mov. 42 não gera, por si só, comprometimento ou prejuízo para a finalidade perseguida (demonstrar as tratativas de acordo). Conforme alinhavado, destacar determinadas falas ou frases – em detrimento de outras, mas sem fugir do contexto e da autenticidade - evidenciam mera técnica profissional” (fl. 72 e-STJ).

Por isso, o simples fato de alguns trechos das conversas não terem sido registrados em ata notarial não impede que se possa atribuir valor ao que foi acordado entre as partes, ainda mais quando a própria parte agravante não impugna o conteúdo da conversa, mas sim, tão somente, a validade de prova.

Entender em sentido contrário e excluir a prova transcrita pelo Tribunal de origem tão somente porque não foi integralmente registrada em ata notarial – a possibilitar eventual chancela do comportamento contraditório da parte agravante em acordar que o pagamento se daria tão somente depois do prazo - levaria claramente à violação à boa-fé objetiva, conforme já fundamentado acima.

 

Verifica-se que a parte agravante contestava a validade de conversas de WhatsApp apresentadas parcialmente em ata notarial, sob o argumento de que a ausência de alguns trechos prejudicaria a credibilidade da prova.

 

Contudo, a Corte Superior rejeitou essa alegação e destacou que a validade da ata não está condicionada à integralidade do conteúdo, especialmente quando a parte contrária não impugna o conteúdo das mensagens, mas apenas o instrumento de sua formalização.

 

É fato que a ata notarial permanece como instrumento valioso na prática forense, especialmente diante da crescente demanda por segurança na prova digital. Seu uso é recomendável sempre que possível, sobretudo em disputas que dependam fortemente da veracidade das conversas apresentadas.

 

No entanto, conforme julgados acima, a ausência da ata não compromete, necessariamente, a admissibilidade dos prints das mensagens e o seu valor probatório. No mesmo sentido, a impugnação genérica da parte adversa tampouco é suficiente para desconstituí-las, sendo fundamental observar que cabe a quem alega eventual adulteração, o ônus de comprová-la.

 

Portanto, advogados e partes devem estar atentos não apenas à coleta e preservação da prova digital, mas também à estratégia processual quanto à sua apresentação e à forma de impugná-la. A ata notarial é uma ferramenta, não uma condição de admissibilidade, sendo que sua presença fortalece a prova, mas sua ausência, por si, não a compromete.


[1] Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.


Geovane Ferreira Pires

Advogado especialista em Direito Imobiliário

Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG

Membro da Associação Mineira dos Advogados do Direito Imobiliário - AMADI

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